A frequência do câncer da próstata aumentou de forma explosiva nos últimos anos, consternando a ciência médica e os homens em geral. Notícias e reportagens inundaram os meios de comunicação, com duas consequências imediatas: os homens estão mais conscientes dos problemas da próstata, o que é bom, mas informações desencontradas têm gerado aflições indevidas, o que é ruim. Mesmo levando em conta os riscos de se discutir publicamente um tema com muitas controvérsias técnicas ainda não resolvidas, julguei oportuno me expressar sobre o assunto. Com a esperança íntima de ver emergir uma certa grandeza.
A próstata, glândula de dimensões diminutas localizada na base da bexiga, pode ser sede de dois processos distintos. O primeiro é o crescimento benigno, chamado de hiperplasia, que acomete quase 90% dos homens após os 40 anos e que produz dificuldade para a eliminação da urina. O segundo é o câncer da próstata, que surge associado ou não ao crescimento benigno e que se manifesta quase sempre depois que os homens completam 50 anos.
Frequência
Se estatísticas produzidas agora em janeiro pela American Cancer Society, dos Estados Unidos, forem válidas para o nosso país, em 1997 cerca de 228.000 brasileiros serão atingidos pelo câncer da próstata e 28.500 morrerão em decorrência. Ainda, segundo a mesma instituição, 19,8% dos homens que, atualmente, tem mais de 50 anos, desenvolverão este câncer se forem acompanhados até o fim da vida. Contrapondo-se a estas estimativas incômodas, vale lembrar que entre 70% e 98% dos pacientes são hoje curados da doença, quando a mesma é descoberta a tempo, alojada dentro da glândula.
O câncer da próstata apresenta duas características bem peculiares. A sua incidência aumenta com a idade, atingindo quase 50% dos indivíduos com 80 anos; este tumor, provavelmente, não poupará nenhum homem que viver até 100 anos (tabela). Além disto, o câncer da próstata é encontrado em um número elevado de indivíduos, sem lhes causar qualquer mal. Por exemplo, se examinarmos a próstata de homens com idade entre 60 e 70 anos e que faleceram sem doença prostática aparente, encontraremos focos cancerosos em 24% deles. Contudo, apenas 11% dos indivíduos desta faixa etária apresentam, em vida, problemas com o câncer da próstata. Em outras palavras, 13% dos tumores neste grupo tem um caráter indolente, não se manifestam clinicamente e os seus portadores morrem, por outros motivos, com o câncer mas não pelo câncer.
Um fenômeno de grande relevância foi recentemente registrado por pesquisadores de Salt Lake, no estado de Utah e confirmado, agora, em Connecticut e Novo México, nos Estados Unidos: a incidência do câncer da próstata talvez esteja começando a declinar. Entre 1988 e 1992 o número de novos casos aumentou de 60% e à partir de 1993 diminuiu de quase 20%. Esta notícia auspiciosa tem uma explicação aceitável. As campanhas preventivas e os novos exames de laboratório identificaram um grande número de doentes, incluíndo homens sem sintomas e que ignoravam o mal. Com o esgotamento deste “reservatório” de casos inaparentes, a frequência da doença passou a cair.
Causas
Todo homem nasce programado para ter câncer da próstata, pois todos carregam em seu código genético os chamados “proto-oncogens”, que dão a ordem para uma célula normal se transformar em outra maligna. Isto só não ocorre indiscriminadamente porque a função dos proto-oncogens é antagonizada por outro grupo de gens protetores, chamados de “supressores”, dos quais os mais conhecidos são o p53 e o p21. Estes gens promovem o suicídio das células toda vez que elas sofrem um processo de degeneração maligna, num fenômeno conhecido como apoptose. O câncer da próstata surge porque as múltiplas divisões celulares, que ocorrem em todos os seres vivos, acompanham-se de discreta fragmentação dos cromossomos, que vão se privando de parte do seu material genético. Com o decorrer dos anos acumulam-se perdas dos gens supressores, que libera a atividade dos proto-oncogens e permite a degeneração das células prostáticas.
Em Novembro de 1996 um grupo de pesquisadores do National Center for Human Genome Research, em Bethesda e da Universidade de Umea, na Suécia, divulgou uma das mais promissoras descobertas na área do câncer da próstata. Estudando 66 famílias com alta prevalência da doença, estes pesquisadores identificaram no braço longo do cromossomo 1 o local onde, provavelmente, se aloja o principal proto-oncogem causador do câncer da próstata, que foi denominado HPC1 (“hereditary prostate cancer 1″). As implicações desta descoberta são imensuráveis. Por exemplo, ela permitirá, em futuro próximo, que um simples teste laboratorial de análise de DNA identifique os indivíduos propensos a ter câncer na próstata. A médio prazo, é possível que os médicos possam intervir sobre este gem, neutralizando-o e impedindo a degeneração maligna das células prostáticas.
Fatores de risco
Homens com antecedentes familiares de câncer da próstata tem maior chance de desenvolver a doença. Os riscos aumentam de 2,2 vezes quando um parente de 1° grau (pai ou irmão) é acometido pelo problema, de 4,9 vezes quando dois parentes de 1° grau são portadores do tumor e de 10,9 vezes quando três parentes de 1° grau têm a doença. Nos casos hereditários, o câncer se manifesta mais precocemente, muitas vezes antes dos 50 anos. Por isto, os homens com história familiar devem realizar exames preventivos a partir dos 40 anos e não dos 50 anos, como se recomenda habitualmente.
A incidência do câncer da próstata é muito alta em países escandinavos, intermediária no Brasil e nos Estados Unidos e baixa em países do extremo oriente. Estudos epidemiológicos mostraram que a doença é 10 vezes mais comum em norte-americanos do que em japoneses que residem no Japão. A frequência, contudo, se iguala quando os japoneses passam a residir nos Estados Unidos, indicando que são fatores ambientais ou dietéticos, e não a hereditariedade, os responsáveis pelo fenômeno. Diferenças no consumo de gordura animal talvez expliquem estas variações geográficas, já que a ingestão de alimentos com alto teor de gordura é elevada na escandinavia. Para confirmar esta suspeita, o grupo do doutor William Fair, de Nova York, realizou um experimento com camundongos portadores de câncer da próstata. Decorrido algum tempo, o volume do tumor foi três vezes maior nos animais que receberam dieta com 40% de gordura do que naqueles cujo teor de gordura era de 2,3%.
Diagnóstico do câncer
O câncer da próstata não produz sintomas nas fases iniciais. Com o decorrer do tempo podem surgir dificuldade para expelir a urina, jato urinário fraco ou aumento do número de micções. Estes sintomas são comuns nos casos de crescimento benigno, de modo que a presença deles não indica, necessariamente, a existência de câncer mas exige, no mínimo, uma avaliação médica.
Os homens sabem que o toque digital é importante para o diagnóstico do câncer da próstata. Nestes casos, a glândula torna-se irregular e de consistência endurecida. Um alegado preconceito cultural tenta explicar porque a maioria dos latinos resiste ao exame, mas todos os que já submeteram ao toque aceitam repetí-lo sem restrição. Em outras palavras, o problema talvez não seja cultural ou psicológico mas apenas o medo infundado de possível dor.
Além do toque, dois outros exames são utilizados para identificar o câncer: dosagens do antígeno prostático específico no sangue (conhecido como PSA) e o exame de ultrassom. O PSA é uma proteína produzida exclusivamente pela próstata, que se eleva de maneira significativa nos casos de câncer, mas também aumenta em pacientes com infecção ou com crescimento benigno exagerado da glândula. Por isto, elevações do PSA sempre exigem uma atenção médica mas não indicam necessariamente a presença de câncer na próstata. Como mostra a tabela anexa, conhecendo-se os níveis do PSA no sangue e o resultado do toque digital, pode-se calcular em cada homem o risco de existir câncer na próstata.
O exame de ultrassom feito através do ânus permite visualizar as chamadas áreas hipoecóicas dentro da próstata, típicas das lesões cancerosas. Este exame, falha em 60% a 70% dos pacientes, deixando de evidenciar tumores que estão presentes ou demonstrando áreas hipoecóicas que não são malignas. Por isto, o ultrassom é utilizado pelos urologistas em alguns casos de dúvida clínica e, principalmente, para orientar a realização de biópsias da próstata.
Levando em conta a relação custos/benefícios, definiu-se que a melhor forma de diagnosticar o câncer da próstata é representada pela combinação de toque digital e dosagem do PSA. O toque exclusivo falha em 30% a 40% dos casos, as medidas de PSA falham em 20%, mas a execução conjunta dos dois exames deixa de identificar o câncer em menos 5% dos pacientes.
Estudos sobre crescimento tumoral indicam que as formas agressivas do câncer da próstata, quando não tratadas, levam entre dois e oito anos para se ramificar pelo organismo, tornando a doença de difícil controle. Desta forma, um exame preventivo anual sempre identificará o tumor ainda dentro da próstata e potencialmente curável. Em homens sem antecedentes familiares, estes exames devem ser realizados à partir dos 50 anos.